Eliezer Pacheco é ex-presidente do Inep e ex-secretário do Ministério da Educação, um dos nomes mais respeitados do ensino superior do País, possui larga trajetória de contribuição com o ensino superior na região Noroeste.
Com atuação destacada no fortalecimento de instituições de ensino como a Unijuí, também teve larga atuação sindical, sendo um dos diretores que tem seu nome marcado na história do Sinpro-Noroeste. Neste artigo, Pacheco relembra sua trajetória na educação da nossa região, mas também os tempos sombrios de luta contra a ditadura militar.
A Faculdade Dom Bosco de Santa Rosa
Depois de tempos difíceis, permeados por prisão, interrogatórios, dois anos de clandestinidade e dificuldades financeiras, finalmente estava concluindo o Curso de História, em 1971, como orador do Ciclo de Estudos Básicos que na época abrangia todas as licenciaturas. Driblei a comissão de censura para a qual o discurso tinha de ser submetido, apresentando uma versão que seria modificada no dia da formatura no Cine Glória. Certamente, não teria conseguido isto sem a solidariedade sempre presente de meus pais Carlota e Polaco, assim como de meus irmãos Luiz e Cláudio. As irmãs Olézia e Olga ainda eram muito novas. Eram anos turbulentos e particularmente difíceis para as correntes progressistas e de esquerda no Brasil, com a ditadura consolidada através do chamado Milagre Econômico, alicerçado no brutal arroxo salarial imposto aos trabalhadores. Ela se aproveitava desta conjuntura favorável para matar, torturar e sumir com lideranças de oposição, embora isto não fosse amplamente conhecido em razão da rigorosa censura aos meios de comunicação. Mas era também uma época de transformações no mundo todo com o surgimento da contracultura e de novas expressões na música popular brasileira como a Bossa Nova, a MPB onde surgiam nomes notáveis como Chico Buarque de Holanda, Geraldo Vandré, Taiguara, Elis Regina e muitos outros. Nos festivais de música surgiam muitos novos talentos que continuam a ser referências musicais até a nossos dias.
A Guerra Fria ainda era um balizador nas relações internacionais com a heroica resistência dos vietnamitas ante a invasão norte-americana desencadeando um imenso movimento de solidariedade em todo o mundo. Era um momento de transição e me passava pela cabeça se valia a pena me afastar de Santa Maria e me “refugiar” num pequeno município do Noroeste do estado, Santa Rosa, de onde vinha um convite para lecionar na faculdade. Já com 28 anos e uma filha para criar, numa situação financeira precária, concluí ser hora de definir um futuro profissional e aceitei o convite mesmo com isto significando uma secundarização da militância.
Quando começa a Faculdade Dom Bosco em Santa Rosa, no início da década de 70, iniciativa do salesiano Pe. Faustino Chiamenti, eram poucos os professores graduados na região e o idealizador da Faculdade Dom Bosco ia buscar recém graduados principalmente na UFSM. Passava pelos Departamentos pedindo indicações e enchia seu fusca de professores e os levava para Santa Rosa. Recém-formado e sem grandes perspectivas além das aulas no cursinho ainda não definira meus planos futuros.
Acredito que o Pe. Faustino tenha pedido indicações para a Coordenadora do Curso de História, professora Cleonice Aita e para a professora Arteniza Weinmann Rocha, talvez a única professora progressista do curso, que me indicaram. Também a professora Vera Miorin, amiga que já atuava em Santa Rosa, sugerira meu nome para a direção da faculdade. Foi algo inesperado pois não tinha nenhuma informação sobre Santa Rosa, mas definidor de um novo horizonte de possibilidades pois com a conclusão do curso ainda não tinha perspectivas. Como recém-formado já começar a trabalhar numa faculdade era extremamente importante. Naquele tempo não havia a exigência de Mestrado ou Doutorado para atuar neste nível de ensino porque eles eram muito raros. Pe. Faustino bateu no apartamento de minha mãe na Rua Roque Calage,65 no centro da cidade e fez o convite. Não cheguei nem a perguntar sobre o salário, até porque no momento eu não dispunha de salário algum. A Vera Miorin já havia me avisado que sugerira meu nome e ela era uma professora muito prestigiada por sua dedicação e competência. Devo isto a ela e lamento nunca ter feito de forma explícita o meu reconhecimento pois foi determinante nos rumos da minha vida. Arrumei minha mala com as poucas roupas que tinha, no dia seguinte me encontrei com o padre no Hotel Jantzem, na Avenida Rio Branco, muito próximo do apartamento de minha mãe e tomamos a estrada. Não tinha a menor ideia de como era Santa Rosa além da referência à terra vermelha característica da região. Pelo menos, isto temos em comum, pensei. No caminho, asfalto só existia entre Santa Maria e Júlio de Castilhos e um trecho muito ruim entre Cruz Alta e Ijuí. Quando chovia era uma aventura transitar por aquelas estradas de terra vermelha e plantações de soja nos dois lados. Como a entrada da cidade era pelo Bairro Cruzeiro, na época separado da cidade por alguma distância, pensei que ali era o centro, mas o padre me tranquilizou esclarecendo tratar-se de um bairro. Chegando na cidade me hospedei no simpático Hotel Santa Rosa, do senhor Dessuy, em frente à praça central cuja filha Vera seria posteriormente minha aluna no Colégio Dom Bosco. Na faculdade encontrei um bom grupo de jovens professores também vindos de fora. Vera Miorin, Madalena Duda, Gilda Bertagnolli, Airton Medeiros(Guiga), Léa Dornelles, Marli e eu, todos vindos da UFSM. Os irmãos Kurt e Willi Sommer, vindos de Porto Alegre(não sei se da PUC ou UFRGS) .Lembro ainda de Sebastião Votre, Derli Padilha Beck, e os irmãos Olavo e Helio Neiss, cujas origens não lembro. De Santa Rosa, tinha os professores Mônica Klockner e Ingrid Bozzeto, No Colégio Dom Bosco lembro dos professores Elias Lenzi e Lauro Lenz além dos padres como Benedito Gallato, Herminio Tambosi(“Trovão”) e Osvaldo Poffo(clérigo). Mais tarde chegariam Vicente Bogo e Alcides Vicini, ex-salesianos vindos de Santa Catarina onde esta Ordem Religiosa tinham forte atuação. Bogo, tempos depois, seria Deputado Federal Constituinte e Vicini, Prefeito de Santa Rosa por mais de um mandato. Os alunos da faculdade vinham, principalmente, dos municípios vizinhos, a chamada Grande Santa Rosa. Em razão da demanda reprimida, majoritariamente, eram professores que não tinham tido a possibilidade de cursar uma faculdade e cujas idades regulavam com a dos docentes universitários. Eram os chamados professores leigos contratados para ministrar certas disciplinas mesmo sem terem a formação específica para isto, com a obrigação de buscarem a mesma. De um modo geral eram pessoas extremamente dedicadas que levavam muito a sério o curso, valorizando a oportunidade que estavam tendo. Busquei livros inovadores em matéria de metodologia e introduzi novas técnicas de ministrar aulas despertando grande entusiasmo entre aquelas pessoas que estavam retornando às salas de aula ao mesmo tempo em que lecionavam nas pequenas escolas da região. Lembro de praticamente todos eles com muito carinho e lamento ter perdido o contato deles depois que saí de Santa Rosa , embora saiba que muitos se transformaram em grandes professores. Através de convites de alunos conheci toda região e seus pequenos, mas simpáticos municípios como Tuparendi, Santo Cristo, Alecrim, Horizontina, Três de Maio, Tucunduva, Porto Lucena, Porto Mauá, Cândido Godoi, Doutor Mauricio Cardoso, Porto Xavier e Giruá, alguns destes na fronteira com a Argentina. O ciclo da soja transformou profundamente a realidade socioeconômica fazendo circular ali muito dinheiro e, com isto o surgimento e desenvolvimento de muitos municípios. Surgira uma nova classe média e mesmo uma burguesia vinculada ao Ciclo da Soja(granjeiros, donos de frigoríficos e de grandes estabelecimentos comerciais) com muito dinheiro, poucos conhecimentos e muitos preconceitos. Aliás o preconceito se estendia para além do povo negro e se voltava também contra os “brasileiros”, entendidos como tal todos aqueles que não fossem descendentes de alemães e italianos, os “pelo duro”. Na irresponsabilidade própria dos jovens eu fazia questão de não ocultar o meu posicionamento político criticando estes aspectos da sociedade, embora eles fossem predominantes apenas na “elite” dadade. O preconceito também tem um caráter de classe,
Todos nós também lecionávamos no Colégio Dom Bosco que funcionava durante o dia no mesmo prédio, frequentado principalmente pelos filhos da classe média alta da cidade. Era um belo prédio muito bem cuidado, com espaços muito amplos e iluminados situados num terreno muito grande. Cada professor dispunha de uma sala individual e os salários eram bons.
A exposição de ideias mais abertas incomodava a “elite” que olhava com desconfiança para este grupo de jovens “forasteiros” com tinha certa dificuldade em se entrosar com os habitantes locais. Nossos contatos se limitavam aos alunos e ao grupo de professores.
Santa Rosa era uma cidade conservadora com fortes conflitos políticos (ARENA x MDB), com interferências do coronel comandante do RC MEC o qual se achava no direito de tutelar a comunidade. Era paraninfo ou homenageado dos formandos todos os anos por sugestões externas e a conivência dos padres que não queriam problemas com os militares e a “elite” local. Num determinado ano resolvi concorrer com ele, mas, naturalmente, perdi. Pouco antes de minha chegada o diretor da rádio ligada à ARENA tinha assassinado o Diretor da outra rádio ligada ao MDB, junto à torre de sua rádio num episódio meio nebuloso. Ao organizar um
“Seminário Perspectivas do Desenvolvimento de Santa Rosa”, na mesa sobre Desenvolvimento Agrário convidei o Presidente do Sindicato Rural e o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, Clemencio Karnikowski. Apesar de ser uma escolha óbvia, foi um escândalo trazer o Karnikowski, um trabalhador rural, conhecido por suas ideias progressistas, para falar na faculdade. Para esta “elite” trabalhador era sinônimo de analfabeto e comunista. Karnikowski, que era uma interessante figura, fez uma importante intervenção, e sempre registrou o significado extraordinário daquele convite para ele e para o sindicato. A intervenção do Presidente do Sindicato Rural foi irrelevante e pouco acrescentou. Durante meus quatro anos no Dom Bosco (72/75) foram constantes os pedidos do exército e da direita local para que eu fosse demitido. Nem Padre Faustino, nem Padre Leandro Rossa que o sucedeu aceitaram estas pressões pois sempre desempenhei minhas atividades com dedicação e competência. Todos estes anos a nossa atuação em Santa Rosa foi acompanhada com atenção pelos órgãos de espionagem na ditadura, como pude constatar posteriormente com a abertura dos registros do Arquivo Nacional. Na verdade, subestimávamos o perigo representado pela ditadura para nossas vidas porque não tínhamos conhecimento de toda a extensão de seus crimes como prisões, torturas, desaparecimentos e mortes de opositores do regime. A rigorosa censura impedia a divulgação dos crimes cometidos pelo aparato repressivo da ditadura.
Não tínhamos conhecimento, mas o regime militar combatia nas matas do Pará, Maranhão e Tocantins a Guerrilha do Araguaia (1972/1974) e procurava monitorar todas as possibilidades de ramificações. O Exército Brasileiro, neste enfrentamento, não fazia prisioneiros assassinando friamente os guerrilheiros capturados, a maioria jovens homens e mulheres, cujos corpos nunca foram encontrados. Sabe-se que aos primeiros sinais da abertura política os militares os desenterraram e incineraram. Cerca de 69 guerrilheiros foram mortos na Guerrilha do Araguaia, muitos dele depois de aprisionados, mas destes apenas 3 corpos foram localizados. É inaceitável que 50 anos depois destes fatos o Exército se recuse a abrir seus arquivos para permitir a localização das sepultaras ou esclarecer o destino dado aos mortos.
O país iniciava o período da “abertura lenta e gradual” do ditador Ernesto Geisel(1974/1979) mas, ao mesmo tempo em que acenava com a abertura, autorizava pessoalmente o assassinato de opositores do regime. Hoje existem provas de que, principalmente, Médici e Geisel, conheciam e autorizavam os assassinatos. Me indigna muito quando vejo ruas ou escolas homenageando estes criminosos pois infelizmente não tivemos uma Justiça de Transição e a Lei de Anistia igualou algozes e vítimas. Com a conivência de governantes e Câmaras Municipais estes criminosos continuam ostentando seus nomes em escolas, ruas e praças. Isto é mais escandaloso nas escolas pois expõe uma brutal contradição de tentar despertar o espírito cívico e democrático em uma escola cujo patrono foi um inimigo da democracia e assassino.
Pouco antes de ir para Santa Rosa tinha feito concurso para o PREMEM/Polivalente um Projeto financiado pelo famoso Acordo MEC/USAID. Aprovado, pedi nomeação para Santa Rosa pois já tinha o convite para trabalhar na Faculdade Dom Bosco. O início do Polivalente e a nomeação dos professores atrasou por cerca de um ano por problemas na obra. Quando chamaram os concursados, um dos documentos exigidos para a posse era o “Atestado de antecedentes ideológicos” mesmo com a Constituição da ditadura proibindo discriminação políticoideológica. Tínhamos que encaminhar o pedido no sombrio DOPS que funcionava no Palácio da Polícia em Porto Alegre. Naturalmente, o meu Atestado foi indeferido. Para que isto não repercutisse em Santa Rosa ameaçando meu emprego na faculdade e no Dom Bosco, renunciei ao concurso para o Polivalente e não comentei o fato com ninguém. Eu só ingressaria na Rede Estadual prestando novo concurso alguns anos depois quando o atestado não era mais exigido.
Apesar das estradas serem ruins, a gasolina era barata e como eu continuava militando no MDB de Santa Maria e lá estavam meus pais, irmãos e minha filha Mauren e amigos, todos finais de semana pegava meu fusca e me deslocava para lá.
Em 1975 eu me perguntava como fazer um debate político sobre o país e uma sociedade igualitária nesta conjuntura. Lembrei do livro do Lugon “A República Comunista Cristã dos Guarani” e da importância da experiência jesuítica das Missões, até então pouco debatida em ambiente universitário. Vi ali a oportunidade de um debate sobre a tentativa de catequizar respeitando a cultura coletivista dos índios e a possibilidade de uma sociedade coletiva, sem propriedade privada. O alto desenvolvimento destas Reduções, só destruídas pela força militar de Portugal e Espanha, demonstravam a viabilidade de um projeto coletivista. Tinha uma turma muito boa de seminaristas de Santo Cristo que à noite faziam faculdade no Dom Bosco. Entre estes, Fernando Kieling, Erneldo Schallemberg, Léo Konzen e outros. Foi com estes seminaristas e alguns professores, como Vera Miorin e Madalena Duda, que organizamos “I
Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros.” Foi um sucesso. Veio gente de todo o Cone Sul e a Zero Hora enviou o jornalista Carlos Alberto Kolecza pra fazer uma cobertura diária. Depois do Simpósio ele visitou os Sete Povos fazendo reportagens sobre a situação de cada um deles. A repercussão foi enorme e a partir daí ganha força um sentimento de identidade missioneira que passou a ser conhecido como “Missioneiríssimo”. Contribuiu muito para isto a forte participação musical no Simpósio, onde se destacaram o grupo musical os Tapes e o cantor Martin Coplas, artistas inspirados na música latino-americana e indígena. Os padres Jesuítas da
Unisinos, em cuja biblioteca se encontra o principal acervo bibliográfico e documental sobre as Missões, também tiveram importante participação assim como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) através do Pe.Egídio Schwade, seu Secretário Executivo. Este Simpósio posteriormente aconteceu regularmente por mais de 20 anos, só deixando de ser realizado após a absorção da Faculdade Dom Bosco pela UNIJUI. Durante o Simpósio estabeleci relações com três professores de história da FIDENE: Danilo Lazzaroto, Lígia Simonian e Ademar Kelm. Este faleceria precocemente logo depois, Lazzaroto foi meu colega por muitos anos na FIDENE/UNIJUI tendo falecido algum tempo atrás, já aposentado e Lígia, brilhante antropóloga, trabalha até hoje na Universidade Federal do Pará. Eles me convidam pra ir trabalhar na FIDENE, inicialmente dividindo com Argemiro Brum a cadeira de Estudos de Problemas Brasileiros (EPB), no Ciclo Básico. Esta cadeira, obrigatória em todos os cursos, fora criada pela ditadura para doutrinação direitista, mas na FIDENE era aproveitada para realmente debater os problemas brasileiros. Mesmo com salário menor que em Santa Rosa a oportunidade de trabalhar na FIDENE me entusiasmou além de que minha relação com Santa Rosa já apresentava algum desgaste. A maior proximidade de Santa Maria também influenciou pois ainda estava muito ligado a esta cidade. Na FIDENE, no Departamento de Ciências Sociais, onde estava alocado o Curso de História, além de Lazarotto, Lígia e Ademar encontrei Dinarte “Dino” Belatto e Jaeme Callai. O time da história era muito bom, cada um com suas características. Mais tarde viriam Paulo Zarth, Ana Colling e Hilário Barbian, todos ex-alunos da História. Além deles em outras áreas do Departamento atuavam excelentes profissionais como Helena Callai, Dirce Suertegaray, Odaci Coradini, Walter Frantz, Suimar Bressan, Paulo Tiellet e outros.
Minha trajetória junto aos salesianos não foi longa, mas definidora dos rumos de minha trajetória uma vez ter sido a partir de minhas atividades em Santa Rosa que estabeleci contato com o pessoal da História da FIDENE abrindo a possibilidade de trabalhar nesta instituição tão importante em minha vida. Tenho enorme reconhecimento aos mesmos pelo seu nível de tolerância e solidariedade mesmo conhecendo ninhas convicções políticas e religiosas muito distantes das deles marcadas pelo catolicismo e conservadorismo. Aliás, nunca me perguntaram qual a minha religião ou posicionamento político em uma época de grandes perseguições e intolerância política. Por isto sempre tive muito respeito pelos salesianos.
Sobre os personagens, o Pe. Faustino, vim reencontrá-lo muitos anos depois trabalhando no Dom Bosco de Porto Alegre. Mais tarde soube que morrera em Viamão, onde residia numa casa dos salesianos idosos onde também viveria e morreria o Padre Herminio. Santa Rosa deveria registrar sua importante contribuição para o Ensino Superior na região e homenageá-lo de forma mais significativa. Certamente é muito mais merecedor do que muitos que já foram homenageados.
Pe. Leandro, que depois chegou a ser Provincial dos Salesianos no Sul, em 2004 ou 2005 me procurou no INEP, em Brasilia, onde eu era presidente. Ele era Secretário Executivo da Associação de Educação Católica (AEC), estava casado e residindo numa cidade satélite de Brasília. Queria apoio para publicar a Revista da AEC. Tentei, mas não consegui pois se tratava de uma instituição privada. Não soube mais dele, o que lamento pois era uma figura marcante por sua cultura e educação.
Na FIDENE/UNIJUI permaneci por cerca de 20 anos, a partir de 1976, os quais foram definidores de minha vida pessoal e profissional. Voltaria a me relacionar com Santa Rosa, novamente através da educação, quando como Secretário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica do MEC iniciamos as tratativas para a instalação de um Campus do Instituto
Federal Farroupilha no município, com a decisiva participação de Orlando Desconzi(PT). Em 2010 seria inaugurado o Câmpus Santa Rosa do IFFAR, marco na história educacional da região, constituindo-se hoje na principal instituição pública de ensino dela
Em 1/10/2007 a Câmara de Vereadores do município me concedia o título de Cidadão Honorário de Santa Rosa, grande honra para aquele jovem professor que entre 1972 e 1975 causava certo espanto por se posicionar contra a ditadura em uma cidade hegemonizada politicamente por setores conservadores e de direita e que achava que a ditadura seria eterna. Como professor de História, sabia que as ditaduras não duram para sempre e o julgamento para com os coniventes, omissos ou apoiadores é implacável. Tenho boas lembranças de Santa Rosa e sou muito grato pelas oportunidades que me abriu, principalmente pela honraria que me concedeu tornando-me seu Cidadão Honorário. Infelizmente a vida me levou para lugares distantes e poucas vezes consegui voltar lá, mas sempre que o fiz foi com enorme alegria e saudades daqueles tempos tão diferentes. A vida nos reserva surpresas e nunca imaginei que eu, um comunista e anticlerical, me sentiria tão bem entre os padres salesianos, alunos alunas e vivenciando o cotidiano do Colégio Dom Bosco com seu belo prédio e seus amplos espaços ao redor. Gosto muito de Santa Rosa e dos municípios que ela gerou com seu desenvolvimento e isto ajudava a amenizar a saudades de Santa Maria, da família e dos amigos.
Na região sou Cidadão Honorário de Santa Rosa, Ijuí e Santo Ângelo, honrarias muito maiores do que meu merecimento, motivo de muito orgulho porque naquela época nunca imaginei ser isto possível. É muito difícil se manter coerente com seus princípios políticos e ideológicos, sem omiti-los, em uma região hegemonicamente conservadora e mesmo assim obter certo reconhecimento. Acho que o velho Polaco Pacheco ficaria orgulhoso.
– FIDENE/UNIJUI
Desde meus tempos de estudante eu ouvia falar da FIDENE, uma instituição comunitária, a primeira delas no país, que em plena ditadura mantinha uma postura progressista e um Movimento Estudantil combativo. Seu principal idealizador, o Capuchinho Frei Mathias(Mário Osório Marques) era um nome conhecido em todo o estado por suas posições e seu trabalho de base em Ijuí e região organizando uma forte ação comunitária. Ela surgiu como uma Faculdade de Filosofia(FAFI) ligada a Ordem dos Capuchinhos, um segmentos dos Franciscanos, mais rigorosos em seus votos de pobreza. e destinada a formar seus seminaristas e alunos da região. Mathias, professor Argemiro Brum e outros tiveram a ousadia de transformá-la de instituição confessional em comunitária entregando sua direção para a sociedade. Nascia a Fundação de Integração Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado(FIDENE), inicialmente com uma abrangência regional e com uma estrutura democrática que impedia sua hegemonização pelas classes dominantes da região. Ela foi produto deste trabalho, o que a tornava uma referência, ao mesmo tempo que era odiada pelos militares e setores dominantes da cidade apesar da extraordinária contribuição educacional que trouxera para a região viabilizando pequenas e médias propriedades rurais. A COTRIJUI(Cooperativa Tritícola de Ijuí) que chegou a ser a maior cooperativa da América Latina, foi fruto deste trabalho. Como já me referi, quando da realização do I Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros que coordenei na faculdade Dom Bosco de Santa Rosa, estabeleci relações com os professores de história da FIDENE Danilo Lazzaroto, Ademar Kelm e Lígia Simonian. Lígia eu já conhecia da UFSM onde tínhamos sido colegas no curso de História e era minha amiga. Para minha surpresa eles me fazem convite para ir trabalhar na FIDENE, algo que nunca cogitara. Fiquei muito feliz com o convite mesmo que fosse para receber um salário um pouco menor pois sempre tivera nesta instituição uma referência. Também influiu o fato de ser mais próximo de Santa Maria a qual continuava ligado politicamente e toda minha família morava lá. Frei Mathias e Argemiro Brum principais idealizadores da FIDENE já não ocupavam cargos de direção sendo apenas professores no Departamento de Ciências Sociais, onde eu iria atuar. O Presidente era Paulo Afonso Frizzo e a Diretora de Ensino era Antônia Carvalho Busmann. Ele vinculado à Faculdade de Administração e ela à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras(FAFI) num tácito equilíbrio político entre as duas concepções que disputavam a hegemonia política na instituição. Era um período de crescimento, transição e muitos debates internos na Instituição. Os docentes se dividiam, basicamente, em dois campos ideológicos: de um lado, o pessoal mais ligado aos cursos de Administração, Ciências Contábeis e Cooperativismo concebendo a FIDENE numa integração maior com a lógica capitalista da região e de outro os docentes ligados aos cursos das Ciências Humanas e Sociais que tentavam mantê-la vinculada às suas concepções originais, vendo a sua identidade vinculada a estas áreas do conhecimento. Os líderes do primeiro grupo eram Adelar Baggio, Paulo Frizzo, Antônio José Grizzon, Irani Basso, Jorge Falkembach e outros. No segundo grupo se destacavam Jaeme Callai, Euclides Redin, Dolair Callai, José Fagundes, Lígia Simonian, Vanderlei e Corintha Geraldi, Adelino Massarolo. As figuras históricas como Mário Osório, Argemiro Brum, Danilo Lazzaroto e Dinarte Belatto evitavam se posicionar Com sua formação “comunitária” era dificilpara eles se posicionarem numa disputa que, como tida disputa em uma sociedade de classes, refletia a luta de classes. Nestes primeiros dias a Ligia Simonian, amiga desde os tempos do Curso de História na UFSM, foi minha anfitriã inclusive me hospedando no pequeno alojamento onde morava no Anexo 1, prédio ao lado da Sede Acadêmica onde funcionara o Seminário dos Capuchinhos. O Campus atual ainda não existia.
Os debates travados nas reuniões gerais eram extremamente acalorados, principalmente por parte de Baggio, ardoroso defensor da maior vinculação da FIDENE com os setores empresariais e principal liderança desta concepção. Eu, apesar de estar chegando, nunca consegui deixar de me posicionar o que originou algumas animosidades. Hoje percebo que, como recém-chegado, deveria ter me mantido mais equidistante destes debates mesmo identificado com o pessoal situado mais à esquerda. Na verdade, eu ainda estava muito impregnado das disputas no movimento estudantil e refletia isto em minhas posturas um pouco maniqueístas.
Provavelmente ambos os lados tinham doses de razões e a radicalização do debate era desnecessária. A própria dinâmica da economia regional baseada nos médios e pequenos proprietários produzindo para o mercado, inclusive internacional, levaria à hegemonia interna dos “conservadores” e a FIDENE aos poucos foi perdendo sua aura de instituição contestadora, de esquerda. O agronegócio, como o conhecemos hoje, ainda não era uma realidade e o latifúndio nunca existiu naquela região de colonização europeia. Na verdade, estas regiões haviam passado por uma espécie de reforma agrária beneficiando aos imigrantes.
Estes debates não chegavam até a cidade pois a FIDENE era um mundo à parte, principalmente, em relação à elite urbana local que a via através de seus olhares conservadores e provincianos. Era o mundo acima dos trilhos onde, com poucas exceções, também moravam os professores, a maioria no Bairro das Palmeiras com suas casas iguais. Parte da responsabilidade disto cabia a própria FIDENE que se articulava bem com os bairros mas evitava maiores aproximações com o conjunto da cidade.
Antes de chegar a Ijuí eu ouvia as mais diversas lendas urbanas sobre o pessoal da FIDENE:
“maconheiros” (na época, uma acusação gravíssima), “praticantes do amor livre e troca de casais” (coisa que nunca vi), “comunistas” ( na verdade, a maioria era constituída de “igrejeiros”), etc. tudo fruto da imaginação de uma população conservadora e provinciana. As “elites” econômicas destas cidades produzidas pela colonização europeia além conservadorismo tinham uma cultura muito limitada sendo resistentes a tudo que fosse diferente de seu modo de viver e pensar. Na época não existiam os modernos meios de comunicação de massa, telefonia sem fio e internet.
Chego a Ijuí em março de 1976 cheio de expectativas pela possibilidade de desenvolver um trabalho sem as mesmas limitações encontradas em Santa Rosa e em uma instituição muito maior. A conjuntura internacional apontava novos caminhos com a Revolução dos Cravos (abril de 1974) em Portugal, o processo de descolonização na África, a derrota norte-americana no
Vietname e a vitória de várias revoluções no sudeste asiático. Cuba, apesar de todos os ataques e cerco dos EUA mantinha viva a chama da revolução. No Brasil a ditadura persistia, mas já começavam a ocorrer movimentos populares pelo seu fim e o mundo começava a passar por grandes transformações. Gorbachev iniciava o processo de liquidação da União Soviética que culminaria com a entrega da Alemanha Oriental para o Ocidente e a consequente derrubada do Muro de Berlim (1989). Não por acaso ele é idolatrado no Ocidente e odiado na Rússia. No Brasil, a ditadura dava sinais de enfraquecimento, mas continuava a matar ao mesmo tempo em que as classes dominantes preparavam a transição conservadora garantidora de sua impunidade e privilégios. A culminância disto seria o desastrado Governo Sarney, sintomaticamente expresidente da ARENA, o partido da ditadura.
Algum tempo após minha chegada fui indicado para Diretor do IPP(Instituto de Pesquisa e Planejamento) e mais tarde para Coordenador do Ciclo Básico, etapa pela qual passavam todos os acadêmicos tendo aulas de Português, Filosofia, Sociologia, EPB, inglês ou francês, etc. Era uma proposta muito interessante ao dar uma base formativa comum a todos os cursos. Lembro de ter colocado como leitura obrigatória aos alunos do básico algumas obras de Jorge Amado, entre as quais “Capitães da Areia”, “Subterrâneos da Liberdade”, “Tenda dos Milagres”. Minha experiência me diz que a leitura destas obras tinha mais sucesso na formação de uma consciência política e social do que nossas aulas e ainda hoje recebo testemunhos neste sentido. Deonísio da Silva, hoje escritor consagrado, na época professor de literatura no básico, até hoje registra com entusiasmo esta iniciativa.
Neste período começo um relacionamento com Ana Maria Colling que fora minha aluna em Santa Rosa e se transferira para sua cidade natal, Ijuí, após sua separação. Brilhante, ela se tornaria após a graduação também professora nos Cursos de História e Estudos Sociais, uma das grandes docentes destes cursos. Hoje, Mestre e Doutora, é uma historiadora muito reconhecida e respeitada em todo o país, especialmente no que diz respeito às questões de gênero. Fomos companheiros por mais de 20 anos e desta união nasceu nosso filho Camilo
Colling Pacheco. Ana já possuía um filho pequeno, Tito Alencar(“Preto”), parte importante da nossa família. Continuamos amigos até hoje.
Camilo é geógrafo, alpinista e brigadista do ICMBio no combate à incêndios em Minas Gerais. Tito Alencar, doutor em filosofia, já lecionou em Universidade Norte Americana e a alguns anos é professor na UNILA(Universidade Latino Americana) em Fóz do Iguaçu.
Apesar da intensa atividade acadêmica, sindical e política conseguimos publicar muitos artigos e livros, entre os quais “Colonização e Racismo” (Editora Artenova, RJ), “O Povo Condenado”(Artenova, RJ,1977) e “Partido Comunista Brasileiro. 1922/1964(Alfa Ômega,
SP,1984). Contribuiu muito para a possibilidade destas publicações a participação do professor Deonísio da Silva que, além de talentoso escritor, possuía boas relações com as editoras do centro do país ao contrário do pessoal da FIDENE que vivia um pouco isolado em seu “bunker”. Deonisio foi responsável por um importante convênio entre a FIDENE e a editora Artenova do prestigiado editor Álvaro Pacheco para a publicação de livros de professores da instituição. Infelizmente apenas eu publiquei dois livros pela Editora. Deonísio tinha uma postura irreverente satirizando todo mundo, não levando muito à sério os debates “ideológicos” entre os diferentes grupos. Alguns o criticavam por isto, mas inegavelmente era um excelente professor e grande escritor. Contribuiu muito para inserir a FIDENE no cenário cultural brasileiro. Os medíocres não gostam dos que se destacam por seu talento porque expõe sua mediocridade.
Uma parte da FIDENE, hegemônica na sua estrutura de poder interna, mantinha boas relações com os poderes constituídos e procuravam se distanciar da imagem de esquerda da instituição. Neste período, ainda sob a ditadura, dois professores foram demitidos por razões políticas. Um deles, professor horista, imprimiu no mimeógrafo do Departamento um panfleto contra a anunciada visita a Ijuí, que não se concretizou, do ditador General João Figueiredo (1979/1985). Foi um erro fazê-lo no mimeógrafo da instituição e solitariamente sem combinar com ninguém, mas algo insignificante diante dos horrores praticados pela ditadura e elogiável sob o aspecto político. O outro caso atingiu uma figura histórica na instituição, Octávio Steffens, ex-frei Batista, que aproveitava seu trabalho de extensão junto aos pequenos agricultores para distribuir o jornal “Hora do Povo” do MR8. Embora estes professores possam ter cometido equívocos na forma de atuação seus objetivos eram mais do que justificados: combater a ditadura. Suas demissões, claramente políticas, são uma mancha na história da FIDENE. Da mesma forma, nós ligados à esquerda nos omitimos e não fomos capazes de sair em defesa destes companheiros, temerosos das consequências que aquelas iniciativas poderiam trazer para a instituição. Nossa lógica era a mesma dos dirigentes que os tinham punido. Até hoje lamento muito e me envergonho desta omissão inclusive porque eu também era vinculado ao MR8 e conhecia a prática de Batista, uma figura até ingênua em sua militância revolucionária a qual se dedicava com a mesma fé de seus anos de sacerdote. Batista, nascido em 1929 em Aratiba,RS(então pertencente a Erechim) mais tarde veio morar com sua esposa Zenir e os dois filhos em uma colônia naturista em Taquara, RS, onde viveu por muitos anos até falecer com mais de 90 anos. Saudades desta grande figura, um lutador comprometido profundamente com suas causas que mesmo após abandonar a vida religiosa continuou se dedicando aos pobres e à luta pela transformação social com uma dedicação inigualável.
Com o crescimento da FIDENE começam a chegar novos professores que não eram daquele núcleo original, com forte influência católica, que via a FIDENE como uma família com uma concepção comunitária da sociedade e resistente à militância política. O conceito de classe não era a principal referência para eles, trabalhando mais com o conceito de comunidade, o chamado “comunitarismo”. Inclusive quando mais tarde passamos a organizar o sindicato dos professores alguns destes, mais antigos, levantaram dúvidas sobre isto uma vez que “na FIDENE não havia patrões e empregados, mas membros da comunidade acadêmica.”
Estes novos professores vindos majoritariamente de Universidades Públicas trouxeram outras vivências para a FIDENE. Muitos tinham atuação no movimento estudantil e no partido de Oposição, o MDB, alguns vinculados a partidos clandestinos. Entre estes novos professores que não vinham da Ordem dos Capuchinhos ou da primeira unidade de ensino superior, a FAFI, fundada em 1957, estávamos eu, Suimar Bressan, Lígia Simonian, Euclides Redin, Adelino Massarollo, Deonisio da Silva, José Fagundes(Fafá), Vanderlei e Corinta Geraldi, Octávio e Maridalva Maldaner e outros. O Adelmo Genro Filho em 1976 veio a meu convite trabalhar na
Comunicação da instituição ao mesmo tempo em que trabalhava no “Semanário de Informação Política” fundado pelo advogado Bem Hur Mafra, marcante na história do jornalismo ijuiense pela qualidade e postura política avançada. Logo depois retornaria para Santa Maria onde seria eleito vereador exercendo seu mandato até 1982 quando é aprovado em concurso para lecionar no curso de jornalismo da UFSC. Lamentavelmente, Adelmo faleceria em 11/02/1988 de uma infecção generalizada, em Florianópolis.
Em 1978 o MDB de Ijuí ainda era muito fraco pois o antigo PTB fora duramente reprimido e a ARENA dominava completamente a vida política na região. Orlando Burmann e Amauri Muller, ex-deputados federais tinham sido cassados, com o primeiro vivendo exilado no Uruguai. Vanderlei Burmann, irmão de Orlando, era a principal liderança do MDB e seria o candidato natural à deputado estadual já que a federal concorreria o deputado estadual pela região Waldir Walter, ex-prefeito de Santo Augusto. Como principal colégio eleitoral da região, Ijuí deveria indicar o candidato à deputado estadual. Vanderlei Burmann seria o candidato natural, mas não aceitou. Para minha surpresa ele me chama em seu escritório de contabilidade, que era também o centro das articulações políticas da oposição, me convocando para ser candidato a deputado estadual. Argumentei que estava a apenas três anos em Ijuí, sendo um quase desconhecido e sem estrutura material para a empreitada. Prevaleceu a vontade de Vanderlei e sai candidato, sem muitos recursos e sem mesmo saber como se fazia uma campanha para deputado. Os ataques da direita de Ijuí também eram muito fortes e recorrentes. Na FIDENE, com sua postura na época de falar muito de política, mas sem se envolver diretamente com ela devido a uma postura preconceituosa em relação à política e aos partidos, a repercussão não foi boa. Mesmo os setores mais à esquerda ainda tinham muitos preconceitos com relação a vida partidária considerada incompatível com a vida acadêmica. Tu deixavas de ser visto como um acadêmico e passava a ser tido apenas como um militante partidário, o que na visão deles eram coisas excludentes. Tinham muito preconceito contra os partidos e à militância partidária, gostando de falar sobre política, mas sem pratica-la. Só mais tarde, especialmente após o surgimento do PT, está visão foi sendo superada com alguns docentes aderindo ao mesmo. Apesar das dificuldades fiz uma boa votação, considerando as circunstâncias e fiquei na suplência.
Em 1982 fomos surpreendidos pela trágica morte do Adelmo Genro Filho aos 37 anos, em Florianópolis vitimado por uma virose que os médicos não conseguiram controlar se transformando numa infecção generalizada. A morte de “Adelminho” foi uma tragédia não apenas para seus amigos e familiares, mas para a esquerda brasileira onde despontava como um de seus quadros mais brilhantes e promissores. Eu ainda morava e trabalhava em Ijuí e não tive coragem de ir em seu enterro em Santa Maria. Demorei a assimilar a sua morte pois o conhecia desde a adolescência quando ele acompanhava interessado as reuniões dos “mais velhos” e logo se transformaria num brilhante quadro da esquerda e intelectual de raro brilho.
Em 1985 a FIDENE consegue se transformar na Universidade do Noroeste do RS, mantendo a sigla UNIJUI, uma grande vitória já que desde a implantação da Ditadura nenhuma outra instituição conseguira o reconhecimento como universidade. Uma bela trajetória iniciada lá em 1956 com a criação da FAFI(Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) pelos Capuchinhos liderados por Frei Mathias. Seu presidente, Adelar Baggio, que liderara este processo será seu primeiro Reitor, um justo reconhecimento àquele que fora o principal articulador deste processo.