Por Henrique Stefanello Teixeira, advogado trabalhista – Sócio da Cainelli Advogados
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a natureza jurídica do recreio e dos intervalos entre aulas representa um marco relevante para toda a categoria docente. Em 13 de novembro de 2025, o Plenário concluiu o julgamento da ADPF 1058 e fixou critérios objetivos para definir se esses períodos integram – ou não – a jornada de trabalho dos professores da educação básica e superior.
A decisão interessa diretamente aos trabalhadores da educação, porque esclarece uma disputa antiga: o professor está, ou não, à disposição da escola nesses intervalos?
A seguir, apresentamos uma análise objetiva e acessível, com base no que foi decidido pelo Tribunal.
1. O que estava em discussão
A controvérsia envolvia decisões trabalhistas que reconheciam o recreio (na educação básica) e o intervalo entre aulas (no ensino superior) como tempo de trabalho, integrando a jornada e gerando impacto direto na remuneração docente. A Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi) questionou esse entendimento, alegando que tais períodos não necessariamente configurariam tempo à disposição do empregador.
O STF foi chamado a definir se essa presunção é absoluta, relativa ou indevida.
2. O que o STF decidiu – ponto a ponto
A Corte estabeleceu três parâmetros centrais:
a) Inconstitucionalidade da presunção absoluta
O STF declarou inconstitucional entender, de forma automática e sem admitir prova em contrário, que recreio e intervalos sempre são tempo à disposição da escola.
Essa presunção irreversível foi afastada porque impediria uma análise concreta da realidade de trabalho de cada professor.
b) Regra geral: recreio e intervalo integram a jornada
Mesmo afastando a presunção absoluta, o Tribunal reafirmou que, na ausência de norma legal ou coletiva que diga o contrário, o recreio e o intervalo entre aulas constituem, em regra, tempo à disposição do empregador, nos termos do art. 4º da CLT.
Ou seja: a orientação predominante continua sendo favorável ao reconhecimento desses períodos como tempo de trabalho.
c) Prova em contrário: quando o empregador pode afastar o cômputo
O STF admitiu que a instituição de ensino pode demonstrar – e a prova cabe exclusivamente ao empregador – que, durante o recreio ou o intervalo:
a) o docente não está disponível para a escola;
b) o professor dedica-se a atividade de interesse estritamente pessoal;
c) não há qualquer exigência institucional, formal ou informal, de supervisão, apoio pedagógico, atendimento a estudantes, organização de materiais ou presença em dependências da escola.
Se essa prova for produzida, o período poderá ser excluído da jornada, com base no art. 4º, §2º, da CLT.
d) Efeitos não retroativos
O STF também firmou que não haverá devolução de valores pagos de boa-fé a professores em ações passadas, conferindo segurança jurídica.
3. O impacto prático para professores e empregadores
A decisão reforça que o cotidiano docente deve ser analisado a partir da realidade concreta. Em grande parte das instituições, os professores:
a) atendem alunos durante o recreio;
b) acompanham turmas em deslocamentos;
c) permanecem disponíveis para orientação;
d) participam de reuniões breves ou tratativas internas;
e) organizam materiais, plataformas e atividades.
Essas práticas, mesmo não formalizadas, evidenciam que o recreio e os intervalos não são períodos de descanso livre, mas sim momentos funcionais integrados ao trabalho escolar.
Por isso, a orientação do STF tende a favorecer a maioria dos docentes, já que a regra geral é o reconhecimento da jornada, cabendo ao empregador o ônus – em regra difícil – de provar o contrário.
4. A importância da negociação coletiva
Outro ponto essencial do julgamento é o reforço do valor da negociação coletiva. O STF reconhece que convenções ou acordos coletivos podem estabelecer disciplina específica sobre o tema, desde que não violem direitos constitucionais.
Isso fortalece os sindicatos e devolve à categoria a autonomia de definir, por meio de negociação, parâmetros que reflitam melhor a realidade do trabalho docente.
5. Conclusão
A decisão do STF reafirma o entendimento de que o trabalho do professor não se limita ao tempo de aula ministrada. O recreio e os intervalos fazem parte da dinâmica escolar e, como regra geral, devem ser considerados tempo à disposição, salvo prova robusta de que o docente esteve integralmente dedicado a atividades pessoais.
Trata-se de um precedente relevante para a defesa da valorização profissional e da remuneração justa, reforçando que a legislação trabalhista deve refletir as condições reais do exercício da docência.